sábado, 17 de março de 2007

Um Metrô Para Longe

Para ler ouvindo qualquer música do seu MP3 player.



Parece coisa de esnobe, mas toda vez que alguém me convida para ir a algum lugar a pergunta é sempre automática: “Dá pra ir de metrô?” Quando a resposta é negativa, confesso que fica muito difícil aceitar o convite. Afinal, o metrô vai longe, mas não pode ir a qualquer lugar. Será? Será mesmo que de metrô eu não posso ir à Bahia, por exemplo? Ou à Osasco? Ou ainda à Londres?

Em São Paulo, como em muitas outras grandes cidades, existe o medo de se conversar com um estranho, não sou eu que estou dizendo isso, é um fato mais do que documentado, por livros filmes e peças. O que é muito ruim, porque conversar com as pessoas nos faz ser mais próximos e talvez (e perceba eu disse talvez) com isso a paranóia de cidade grande possa diminuir, pois muito dela (a paranóia) se deve ao fato de sermos pessoas sozinhas e distantes.

Este ano comecei um projeto audacioso, decidi que daria atenção a quem quer que fosse e que sempre que me sentisse com vontade puxaria conversa com as pessoas. Qual não foi a minha surpresa? Conversas sensacionais sobre os assuntos mais diversos. Conheci baixistas, enfermeiras, economistas, fisioterapeutas, mas acima de tudo pessoas.

Respondendo as minhas próprias questões, é possível sim, ir a muitos lugares de metrô, uma vez que nas estações existe muito mais do que concreto e aço, existem pessoas que, em sua grande maioria, estão dispostas a dividir experiências e contar um pouco de suas histórias. Não pretendo, com isso, mover uma campanha para que todos se conversem no metrô. Quem quer falar, fala. Quem não quer, pode (e tem esse direito) se cala, no entanto, na menor das hipóteses, esses diálogos servem ao menos para encurtar a viagem. Mas quando se consegue ir além disso é possível fazer muito, muito mesmo. É possível encontrar um garoto com o livro “O Pequeno Príncipe” em baixo do braço e conversar com ele sobre cinema, é possível encontrar um economista que não conhece a cidade e mostrar a ele que cidade de São Paulo e boa e ruim ao mesmo tempo, é possível encontrar uma auxiliar de enfermagem e falar com ela sobre vida e morte. Em todos estes contatos muitos lugares são visitados. Eu fui e seu eu te encontrar no metrô, levo você comigo.

Revisão: Francisco Razzo

sexta-feira, 16 de março de 2007

Ainda no mesmo assunto...

"Texto original publicado no blog Ilusório e Misterioso no ano de 2004."

Força de Vontade

Para ler ouvindo Led Zeppelin : Kashmir



Milhares de pessoas usam o metrô diariamente em São Paulo, dessas milhares de pessoas a maioria utiliza e linha leste oeste. Desta linha a estação mais distante do centro é Corinthans-Itaquera, as pessoas da periferia chegam até ela através de uma grande estrutura de transporte composta de ônibus e lotação. Os mais afortunados chegam até mesmo de táxi ou carro, mas as diferenças acabam aí, pois assim que desembarcam nas entradas do metrô são todos iguais.
São oito horas da manhã de uma segunda feira, a temperatura gira em torno dos 35 graus, um homem caminha em direção as catracas do metrô Itaquera, ele está meio curvado para frente anda com cuidado como se pudesse derrubar algo, este homem sente uma forte dor em seu ventre.
É como se sua percepção estivesse mudado, o mundo não é mais como era antigamente, seu estado ele não pode garantir que é sólido, ele acredita que pode ser algo entre o líquido e o gasoso.
Muita gente se aperta, se esfrega, se coloca à frente, todos querem o mesmo, mas poucos conseguem o objetivo, na plataforma chega o metrô e a porta abre, as pessoas invadem o vagão como espermatozóides que vão em direção ao óvulo. O homem não toma parte desta corrida, ele está todo arrepiado e sente um suor frio.
Vai começar, após o estouro dos humanos ele entra meio andando, meio empurrado, meio cambaleando algum lugar para sentar seria ótimo, ele não sabe quanto tempo ele pode segurar, porém lugar para sentar é totalmente impossível.
O metrô apita, ele se segura no ferro na parte central do vagão. "Só mais 30 minutos Deus".
Metrô Arthur Alvim, ele procura não pensar em mais nada a não ser em sua situação, afinal se ele se desconcentrar o que pode acontecer?
Entre as estações Arthur Alvim e Patriarca existe o maior espaço entre estações do metrô de São Paulo, ele sabe disto e acredita que se conseguir manter a sua concentração entre estas estações ele estará apto a continuar.
Ele aperta o ferro com tanta força que tem a impressão que pode entorta-lo, Guilermina Esperança.
"Deus eu só preciso de mais alguns minutos", Vila Matilde.
Se ele puder chegar ao shopping Tatuapé talvez ele possa resolver o seu problema, Penha.
Ótima idéia, porem ainda são oito e vinte da manhã, e mesmo que o shopping estivesse aberto ele não conseguiria sair do metrô naquelas condições (suas e do metrô), Carrão.
Tatuapé, é melhor continuar se concentrando ele está se saindo bem, acredita que a força de vontade adquirida hoje lhe será útil no futuro.
Suas mãos transpiram, ele quase não consegue sentir seus pés, seu ventre vez ou outra dá pontadas que o faz quase se dobrar, Belém.
Agora o barulho do metrô no túnel quase faz ele perder a concentração. "Deus mais 12 minutos, por favor", Bresser.
Ele está quase feliz, se é que alguém em seu estado pode ficar feliz, porém neste momento ele vê uma mulher que está bem próxima, ela se levanta e ele volta para sua concentração, porém um barulho seco de batida o trás de volta, a mulher desmaiou e caiu em meio ao metrô lotado, mas o que fazer? Um senhor quebra o dispositivo de segurança "Agora não, pelo amor de Deus" enquanto outro levanta mulher e a recoloca no lugar, no sistema de alto falantes o homem ouve: "Para o usuário que solicitou socorro, ele será prestado na próxima estação!" Brás.
A visão do inferno, pensa o homem, centenas de pessoas na plataforma querendo entrar em um metrô já ocupado por centenas de pessoas, uma mulher passando mal, dois guardas do metrô tentando entrar, pessoas tentando sair e o homem tentando se concentrar, a mulher diz se sentir bem, mesmo sem os guardas terem entrado o metrô segue seu caminho, afinal parar o metrô é parar São Paulo.
O homem se concentrou tanto em sua dor que nem notou a estação Pedro II, só percebeu o espaço que começou a surgir quando chegou a Sé.
Ele acha melhor se aproximar da porta afinal vai descer na próxima estação. Ele se coloca bem na frente da porta, após ela se abrir bastará ele dar um passo e estará fora do metrô. A seu lado uma mulher também aguarda para sair, Anhangabaú.
O metrô está quase parando acontece um solavanco e a mulher a seu lado se desequilibra, encosta no homem, quase o derruba e faz ele perder a concentração "Hoje definitivamente não é meu dia".
A porta se abriu, ele anda em desabalada carreira, a mulher gritou algo, porém o homem dentro de sua concentração não a ouviu, a primeira escada rolante, tem uma fila muito grande, ele vai subir a escada rolante "Deus, eu preciso subir, eu não cheguei até aqui por nada". Ele usa a escada convencional.
Respirando fundo o homem chega a segunda escada rolante, essa ele não vai ignorar, esse tempo que a escada leva para subi-lo serve para ele se concentrar mais ainda em seu objetivo.
Dor, ele sente que vai dobrar ao meio, mais alguns passos ele estará na catraca. Ele está suando tanto que sua camisa está grudada a seu corpo como uma segunda pele, terceira escada.
Agora só faltam alguns passos "Só mais um pouco Deus", sobe a última escada.
... ...
O jornaleiro sentado em sua cadeira dentro da sua banca que fica ao lado da saída Cel. Xavier de Toledo do metrô Anhangabaú vê um homem estranho chegando para atravessar a rua, ele está andando todo duro, parece um robô. Ele deixa a revista que estava lendo e se põe a observar o homem, abre o semáforo o homem caminha com convicção andando duro, porem rápido em direção a esquina da esquerda onde existe um Ciber Café. O homem para olha ao seu redor e cai. Ninguém esbarrou no homem. E neste momento começa a chover torrencialmente, como é de costume em São Paulo.
O jornaleiro é o primeiro e chegar e ver.
... ...
Alguns dias depois podemos ouvir um repórter de televisão falando: A polícia ainda procura pistas do assassinato ocorrido na esquina da rua Sete de Abril com Xavier de Toledo. Um homem apareceu com um ferimento na barriga aparentemente causado por uma faca. O jornaleiro da banca em frente ao metrô Anhangabaú viu o homem sair da estação a cair logo após atravessar a rua. Ontem uma mulher se apresentou à polícia dizendo que esbarrou com o homem dentro do metro Anhangabaú e se sujou de sangue, ela gritou para ele, mas o homem subiu a escada rapidamente. O âncora continua - Teria sido muito mais fácil descobrir algo sobre o assassino deste homem se a polícia tivesse retirado o corpo do homem antes de começar a chover, quando o carro do IML chegou já fazia quinze minutos que o corpo do homem estava tomando chuva. Fique agora com a previsão do tempo.
"Para onde será que esse homem ia tão convicto?"

Revisão: Katia Veg

Terminal

Aqui é o fim da linha, se você não sair agora vai ter que voltar e começar tudo de novo.